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Foto do escritorAna Maria

Pedagoginga do terreiro : Educar para Novas realidades por todas nossas relações



No caminho iniciático, vou descobrindo-me artecurandeira, percebo que algo de mim vem sendo desvelado, a própria sorte do destino que me fez caminhar e viver muitas relações de doação, serviço, obediência e rebeldia. 


Para o pesquisador Renato Nogueira "Nos terreiros, o processo educativo é inseparável das práticas religiosas e culturais. A transmissão do conhecimento ocorre principalmente através da oralidade, da participação em rituais e da vivência direta, refletindo uma pedagogia profundamente enraizada na tradição e na experiência."



Quando me desperto para novas realidades, estou falando sobre desenvolvimento de narrativas que nos foram negadas com o objetivo de dominação. Sim, muita sabedoria se perdeu na tentativa muitas vezes bem sucedida de “controle’’.


Hoje, no entanto, evidenciamos que propositalmente não nos revelaram os segredos de nossa liberdade, essa ancestral primeira. 

Dito isso, busco esse recorte com vias de enegrecer narrativas de empoderamento. 



É preto, é preto cambinda, todo mundo é preto, na gira dos pretos, eu também sou preto. 


Mais importante do que educar os outros é estar em auto educação constante e buscar internamente as chaves para modificar para transformar, para apoiar no seu processo e aos demais.


Nesse sentido, chego ao espaço sagrado de cura que meus ancestrais manifestaram. 

Nessa religação, sinto o cheiro da terra, do pó de café e do mar. Travessias essas que me permitiram acessar a ciência ancestral afro-indígena. 



Nesse artigo, busco o recorte afro no que hoje percebo a partir do meu lugar de fala. Me liberto quando escuto narrativas de aquilombamento multicolor e reitero a importância de apontar esses espaços de existência e resistência do nosso saber. 


Os terreiros, além de espaços sagrados, são espaços que habitam princípios de circularidade. 

Nesse aspecto observo a importância da hierarquia para manutenção do saber e fazer africano. 



Já a pensadora Viviane Oliveira afirma que "A pedagogia dos terreiros se manifesta como um espaço de aprendizado imersivo, onde o conhecimento é passado através de rituais e práticas cotidianas, reforçando a importância da oralidade e da tradição na formação dos indivíduos."


Quando penso em pedagogia, essa sobre o espaço sagrado de um terreiro, observo a dinâmica sutil da presença, uma vez que você se coloca presente para aprender, é possível imaginar e observar como se dá o aprendizado através da experiência daquele que observa.



Para Jorge Tadeu,  "Os terreiros são instituições de educação cultural e espiritual, onde as práticas educativas são entrelaçadas com a vivência religiosa. Essa educação não é formal, mas essencial para a preservação e o fortalecimento da identidade cultural e espiritual."


As perguntas surgem após o contato com a verdade praticada naquele espaço. Aos poucos, vou banindo o preconceito que povoou o meu imaginário por décadas e vou me sentindo cada dia mais preta. E como isso é confortável e libertador!


"O papel dos terreiros como centros de educação é evidente na forma como preservam e transmitem as tradições afro-brasileiras. Esses espaços funcionam como escolas culturais, onde o aprendizado se dá pela experiência e pela vivência do sagrado." João José Reis 


Por sua vez, Gisele Rodrigues diz que "Dentro dos terreiros, o aprendizado ocorre de maneira prática e vivencial, através da participação ativa em rituais e da observação das tradições. Essa abordagem pedagógica é fundamental para a manutenção da cultura e das práticas religiosas."



Logo ao chegar no espaço sagrado, peço licença àqueles que guardam os portais, me direciono para a minha limpeza física, tomo meu banho, me visto de branco para na roça trabalhar. 

Quando me colocam em serviço, é apresentado para mim a vassoura, a obé (faca em yorubá)  e a esteira. Junto aos meus irmãos de axé, vou vendo o tempo passar. A atmosfera para receber o orixá precisa estar limpa, assim como os nossos pensamentos e, mais uma vez, a postura daquele que quer aprender com humildade e prontidão.

Guardei os meus pertences e me reuni aos meus irmãos. Várias conversas frutíferas dizendo do íntimo e do sonho coletivo: uma luta anti-racista! Trata-se de uma conquista ancestral poder cultivar nossas memórias, nossas lembranças e nosso presente naquilo que faz sentido para a gente.



Tudo pronto, é um momento de “salvar” a casa. Em círculo, nos colocamos novamente para entoar os cantos  e convidar a presença dos nossos santinhos (orixás) e todo o nosso Panteão que, unido, se fortalece. Chamamos os guardiões, os guerreiros, os protetores, as nossas mães, os curadores e todos os encantados que permitem que a gente siga manifestando no Orixá. 

Feito isso, temos um momento de contato do nosso ori com a terra para ofertar aos encantados, aos nossos santinhos, os nossos pedidos. Eles voam como a pomba que voa até o céu, como a fumaça que espanta os maus espíritos. 

A seguir, cada grupo é direcionado a sua ação: na cozinha o coração; na senzala aqueles que precisam descansar; no terreiro aqueles que desejam limpar, não somente aos seus pensamentos, como o espaço físico, a organização de uma festa está em todos os irmãos unidos. Muitas vasilhas a lavar, muita comida para ficar e, nessa musicalidade, vamos construindo relações, reconstruindo pontes, nos identificando em cada olhar. Assim se dá a pedagogia nas trocas vivenciais. 

A hierarquia é vista positivamente. Queremos muito ouvir os mais velhos para aprender e reverenciar tudo o que já foi construído em conquistado em nome do Orixá. 


"A pedagogia dos terreiros reflete uma integração entre a educação formal e informal, onde o conhecimento é transmitido através da prática ritual, da oralidade e da convivência comunitária, criando um ambiente educativo único e profundamente cultural." Gustavo Almeida.


Ao longo do dia vamos preparando a festa e recebendo o axé de cada orixá saudado. No banquete do Rei, Olubajé, Ossain, Oxumaré, Nanã são celebrados. Para acompanhar o xirê, saudamos todos os orixás da Nação Ketu. Recebemos visitantes de várias partes do estado para conhecer nossa prática. Levamos axé a todos que estão presentes. 

Uma honra poder servir ao orixá e a ao Ilê (casa em Yorubá).


Meu primeiro Bori foi numa festa de Olubajé, ao receber a irradiação do Rei da cura me fortaleço na minha missão. Amo celebrar com meus irmãos e comer acarajé. Tomar banho de pipoca e banir meu corpo de todo mal. Percebo que para curar nossas dores precisamos de sopinha, chazinho e humildade para pedir. Nessa conexão peço saúde aos meus irmãos e irmãs. 




Ana Maria Pereira e Flávia Gouvea


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